TRADUZINDO

Hellblazer, Warren Ellis, 20 anos

Lembro de quando Warren Ellis foi anunciado roteirista de Hellblazer e escreveu um ensaio sobre Constantine. Era menos um texto sobre Constantine e sobre o que planejava para a série, mais um texto sobre Londres. Sobre andar por Londres, sobre o cheiro e a cor de cada bairro, sobre o cruzamento que tinha sido repartição pública do Império Romano, em que prédio onde Ellis usou drogas, assistiu um show ou ficou com uma menina. Sobre fantasmas. Tem cidade com mais fantasmas que Londres? Lembro que alguém comentou que o texto lembrava muito As Cidades Invisíveis. Procurei Cidades Invisíveis na biblioteca da faculdade e li. E reli, reli e reli.

Vinte anos depois, estou aqui traduzindo Hellblazer, fase Ellis. Foi um acaso. Os tradutores usuais de Hellblazer, Guilherme Braga e Edu Tanaka, estão ocupados e me caiu traduzir umas histórias de Constantine na reta final para fechar 100% da série pela Panini. Falta pouco. Parte dessa fase Ellis já tinha saído por aqui há uns anos, pelas editoras Pixel e Brainstore. Quase toda, na verdade. Foram só 10 edições.

As primeiras Hellblazer Ellis que eu traduzi saíram há alguns dias em John Constantine, Hellblazer – Assombrado vol. 1: A Mulher Escarlate. Esta semana entrego as outras, que fecham só mais um volume.

Ellis já é um autor difícil de traduzir quando escreve “normal”. Ele é econômico no limite da incompreensão – frases que parecem pela metade, insinuações e duplos sentidos que você não tem certeza se entendeu. Em Hellblazer, soltou doses generosas de gírias londrinas, sotaques londrinos e outros londricismos. Tem as piadas internas, os fantasmas, as namoradas e a historiografia de Spitalfields, Brixton, Stockwell, Watford, Shoreditch, Pall Mall, Cocksnatch, Bambalingamgham, Cumberbatch e outros bairros ou regiões que não fazem sentido algum se você não morou em Londres. Talvez nem para quem more em Londres. Chega a um ponto que, se Ellis inventasse algum destes nomes, não ia fazer diferença. Admito que eu inventei alguns (só aqui, não na tradução).

Do Inferno faz muita coisa. A diferença é que Do Inferno se autoexplica, como uma aula. Ellis, não explica. Leitor e tradutor que se virem com os lovely jubbly“.

O que mais se lembra da Hellblazer, fase Ellis, foi quando ela acabou. Foi por causa de “Shoot”, a história na qual Constantine dá sua opinião sobre os massacres nas escolas dos EUA. Ellis entregou o roteiro, Phil Jimenez desenhou, Eric Harris e Dylan Klebold mataram 13, feriram 21 e se suicidaram na própria escola no Colorado, a Vertigo pediu para Ellis mudar a história, Ellis disse não, a história foi pra gaveta e Ellis se demitiu.

Nos vinte anos desde lá, “Shoot” vazou, circulou por uns anos em xerox e na web, aí a Vertigo mudou de ideia e a história saiu oficialmente. Já foi até publicada no Brasil e deve sair de novo na segunda coletânea Hellblazer Ellis (foi traduzida pelo Guilherme Braga).

Existe aquela ideia de que Hellblazer fase Ellis ficou só no gostinho. Que podia ter ido mais longe, quem sabe um marco na série. Anos de glória. Não sei se eu concordo.

O primeiro arco, “Assombrado”, quase dá conta de tudo que Ellis quer dizer sobre Londres. Quase, pois histórias subsequentes vão retomar os passeios e as piadas internas e os fantasmas e as namoradas e a historiografia. E fica um pouco repetitiva em torno dos londricismos (Apesar de Constantine trocar Londres pelos EUA em duas histórias, “Shoot” e “The Crib”).

Outra coisa que se repete tanto quanto as capas do Tim Bradstreet é a violência ao nível sádico. Tudo bem você ter imaginação para descrever tudo que o assassino fez com a faca, mas depois da terceira tripa a gente se cansa.

E, falando em cansar, é público e notório que Ellis cansa rápido. O próprio admite. Transmetropolitan, na qual ele ficou cinco anos, foi um milagre. Tudo que ele fez depois é curto, rápido e rasteiro. Ellis tem ideias que podem render, render tanto (Frequência Global, Cavaleiro da Lua, Red), mas que dispensa por tédio. No caso de Hellblazer, será ousadia dizer que ele usou o quiproquó em torno de “Shoot” para cair fora sem ter que admitir que já estava com tédio?

Na última Hellblazer, Ellis começa a desenhar um Constantine que não é o fodalhão-sabe-tudo-xacomigo que muito autor pinta. Em “Telling Tales” (tradução provisória: “Contando Causos”), depois de horas engambelando um cara com teorias da conspiração sobre a coroa britânica, aliens e divindades-cobra, Constantine sai pela rua se achando rei dos sacanas. O escapamento de um carro estoura e ele quase se caga de susto. Era esse Constantine, o que deixa o Silk Cut cair da boca, o que ia seguir na supostamente longa fase Ellis? Nunca vamos saber.

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