LENDO

Verões Felizes

A família vai sair de viagem. A mãe chega ao carro por último e conta os passageiros.

“1! 2! 3! 4! 5! 6! 7 comigo!”

São ela, o pai e quatro filhos. Dá seis pessoas. Ninguém no carro se manifesta em relação à conta. Quem é o 7?

É um detalhe narrativo que pode passar despercebido logo nas primeiras páginas de Verões Felizes. Tanto quanto o próprio Verões Felizes pode passar despercebido por aqui. O álbum de Zidrou e Jordi Lafebre saiu na finaleira de 2016 no Brasil, pela Sesi-SP, causou um burburinho na mídia especializada – foi o melhor do ano pro Sidney Gusman e recebido com festa pelo PH – e virou, não sei por quê, um troço complicado de se comprar (online, no momento, só vejo na Comix e na Saraiva). E Verões Felizes passar despercebido seria uma pena, uma perda, um grande desperdício.


O caso é que o melhor adjetivo para descrever Verões Felizes é o seguinte: redondo. As páginas não têm nada mais nem nada a menos. O roteiro arma a premissa, desenvolve a trama, transforma os personagens principais, faz você se ver neles, afundar com eles e desafogar com eles. Com economia, com diálogo mínimo (e bem lapidado), com figuras que estão ali mais para agir do que ficar em monólogo ou exposição do que pensam ou do que querem.

Desenho e cor seguem o clássico do quadrinho franco-belga: ostentação e expressão. Quando os personagens falam, a sincronia entre expressão e fala é perfeita; quando não falam, o desenho diz o que, de fato, não deveria estar em palavras. E tem ambientação, tem detalhes, tem realismo. Tem a pausa para ver uma borboleta pousando numa flor, os poucos raios de sol que passam entre as folhas, o crop bem estudado para focar num sorriso de canto, num olhar de soslaio. Tudo entra na hora certa.

O caso é que Verões Felizes não tem nada, absolutamente nadinha de inovador ou de revolucionário. É uma história em quadrinhos bem feita, com tudo que já foi testado e aprovado para fazer uma história em quadrinhos bem feita. É tradicional como um filme da Disney. É redondo.

“Gostei muito da simplicidade da história: um casal em crise sai de férias e poupa os filhos da notícia da separação. Uma tia falece. Nada de extraordinário acontece”, me contou o tradutor do álbum, Fernando Paz, quando perguntei se ele tinha gostado. Ele diz que amou. “É o retrato das relações de família que nos comove.”

A primeira das minhas cenas preferidas é a dupla de páginas do velório. Apesar de ser extremamente convencional – quem sabe justamente por isso – é daquelas cenas para se estudar. Tem a chuva, tem o contraste entre as caras literalmente de enterro e os sorrisos, as lágrimas que surgem no meio dos sorrisos, as flores sobre a lápide que se amarram com uma cena anterior. Esta cena vale, sozinha, por um álbum inteiro explicando as relações entre cada integrante da família. E a maioria dos quadros nem tem falas.

Pode ser que eu tenha entregue um spoiler no parágrafo anterior. Mas não tem problema, porque não é do tipo de narrativa em que um spoiler vai fazer mal à leitura. Então, outro spoiler: minha segunda cena preferida é a em que aparece o Tchouki.

E aí eu confesso que não (me) entendi. A jogada em torno do Tchouki, que não vou entregar aqui, é um recurso manjado que volta e meia aparece na literatura, no cinema e nos quadrinhos. O motivo para a existência do Tchouki, que se revela na cena, também é um clichê dos mais simples. E a conversa entre Tchouki e a mãe é, convenhamos, simplória. Mas essa cena manjada, clichê, simples e simplória me deu uma pontada que eu tive que segurar para não sair pelos olhos. Em duas leituras.

Pois também tem isso: Verões Felizes é uma leitura de 15 minutos. Vinte, se você parar e admirar as paisagens do Jordi Lafebre. Aí você acaba, sente saudade de viver no meio daquela família e volta para o começo. E descobre que aquelas duas páginas de preâmbulo são brilhantes, porque sabiam que você ia voltar. E que vai voltar mais.

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