ESCREVENDO TRADUZINDO

Spiegelman e o Caveira Laranja

(Estou recuperando textos que publiquei fora daqui. Este eu soltei no Facebook em 21/8/2019.)

Traduzi o comentado texto do Art Spiegelman sobre a Marvel e o Caveira Laranja a convite da Quatro Cinco Um. Está aqui.

Achei curioso o quanto esse texto repercutiu, ainda em inglês. Além dos típicos comentários rápidos de Facebook e Twitter, vi várias matérias por aí, na mídia especializada e na não-especializada brasileira. E aqueles inevitáveis comentários dos “ui ui ui não mistura política com meus gibis” e “ah, mas a Marvel tem direito de censurar porque a publicação é dela blé blé blé”. Fora que acabei metido aí, traduzindo o texto, a convite, um dia depois da publicação.

A meu ver, a Marvel fez uma cagada. Spiegelman pegou a cagada e jogou no ventilador.

Como o próprio Spiegelman diz, uma piadinha “anódina” com o Trump fez a Marvel pedir um corte mínimo no texto. Se a Marvel não tivesse pedido, ficaria nisso: uma piadinha chocha na apresentação de um livro (caro) que ia ser lido por 42 pessoas. Mas, como a Marvel pediu o corte, Spiegelman deu uma risadinha de canto, sugou o vape e deu no que deu. Nem o Ike Perlmutter ia saber da piadinha se a Marvel não encrencasse.

Também é curioso ver o Art Spiegelman sendo convidado para escrever sobre a Marvel, que é um tanto quanto como convidar o Rafael Campos Rocha para escrever sobre a Mauricio de Sousa Produções. (E sei que não foi a Marvel que fez o convite, mas sim a Folio Society, que estava licenciando material da Marvel para o livro onde o texto ia sair.)

A cagada é maior porque a Marvel sempre se pintou como progressista, crítica, defensora dos fracos e oprimidos. Eles passaram boa parte deste ano de 2019 reproduzindo discursos do Stan Lee contra a intolerância em todos os gibis, reforçando o que querem definir como principal legado do velhinho e ao mesmo tempo botando um posicionamento bem claro quanto ao presidente intolerante (o deles, não o nosso).

Quando eu digo posicionamento, leia identidade de marca. Toda grande empresa comandada por gente racista, intolerante, gananciosa, conservadora, belicosa e do mal vai promover conteúdo do bem, inclusivo, cívico, progressista e paz e amor. É o escape, é a sublimação. Acalma a plebe e, ainda por cima, vende. A Marvel sempre fez isso, a Disney faz isso desde que era o Disney. Censurar uma piadinha chocha, uma alfinetada que daqui a poucos anos só vai se entender com nota de rodapé, é de uma burrice tremenda.

Spiegelman sabe de tudo isso. Por isso aproveitou. E aí está o texto circulando entre mais do que os 42 leitores de introdução de livro de 150 libras da Folio Society.

O que, aliás, é muito bom. Spiegelman não escreve nenhuma novidade para quem já leu Homens do Amanhã, do Gerard Jones, ou Marvel Comics, do Sean Howe, mas faz um texto que cumpre a função de levantar as pérolas da era de ouro da Marvel/Timely e explicar com palavrinhas bonitas por que as pérolas brilham. Roy Thomas, convidado a subtituir Spiegelman no livro, talvez até escreva um texto legal – mas Roy Thomas é arroz de festa. Spiegelman saiu ganhando nessa, em todos os sentidos possíveis.

(Uns meses depois, ouvi o próprio Spiegelman falando, num podcast, o mesmo argumento: se a Marvel não tivesse censurado o texto, ninguém ia ler.)

Ilustração de Denis Carom

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1 comentário

  • Adriano de Souza says:

    Um ponto curioso é o devido mérito que Spiegelman dá pro Superman como o quadrinho que deu início a mídia e a moda de super-heróis e motivo que levou Martin Goodman a publicar quadrinhos. São três paragrafos falando da importância de Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster, e por tabela, da Distinta Concorrente, como a força motriz por trás do surgimento da Era de Ouro. A desculpa para censurar o texto pode ter sido o “caveira laranja”, mas não duvido de os chefões da Marvel, sempre a alimentar o espírito de “torcida” negando o direito a existência da concorrência, ter não gostado muito dessa forma de começar esse prefácio aí.

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