TRADUZINDO

Bendis, Escrevendo para Quadrinhos

Demorou alguns anos, mas Escrevendo para Quadrinhos: a arte e o mercado para HQs e graphic novels, o livro do Brian Michael Bendis sobre o que o título diz, chegou no Brasil.

É, mais do que tudo, um retrato histórico: como Bendis e uma turminha de desenhistas e outros roteiristas de HQ trabalham (trabalhavam?) nos gibis de super-herói nos anos 2010. Para quem acha que só existe “Método Marvel” e “Full Script”, mostra que a coisa vai mais longe. E explica, com todas as palavras possíveis, o que é cooperação nos quadrinhos da Marvel.

Eu traduzi em 2016, a WMF Martins Fontes lançou agora. Eu havia proposto um título mais sonoro, mais “sacadinha”, tal com o original Words for Pictures – queria Palavras para Quadros ou Palavras para Pranchetas, entre outras sugestões. Mas entendo a necessidade de um título que se explique na lata.

Tive que fazer uma pesquisa aprofundada para usar os termos técnicos certos – ou os mais inteligíveis, porque descobri que não existem termos certos nessa área, e gente que usa tudo em inglês. Complica o fato de os americanos usarem termos que se consagraram por lá, tipo “artist”, que não se traduzem literalmente.

Então, quando entreguei a tradução, resolvi botar minha pesquisa numa nota para revisores e editores. Sobretudo para mostrar que algumas opções não-intuitivas tinham seu motivo. É essa nota que eu reproduzo aqui, a quem interessar:

Nota a revisores e editores a respeito de opções de tradução
(esta nota não deve constar no livro):

PALAVRAS PARA QUADROS utiliza vários termos que são particulares e/ou sedimentados no mercado de quadrinhos norte-americano e que seriam prejudicados por uma tradução literal ao português. Ressalto aqui alguns deles, de forma a esclarecer a revisores e editores opções que podem soar estranhas.

artist – contração de comic artist e referência ao desenhista de quadrinhos. O termo artist é bastante amplo e vem de uma tradição da imprensa de referir-se a todo desenho/ilustração como art. Embora esta tradição também exista no Brasil (“artista gráfico”, “arte-final”), acredito que ela esteja dando lugar a termos mais precisos nas últimas décadas (“desenhista”, “ilustrador”) para não entrar em discussões do estilo “o que é arte?” e/ou também reconhecer o status artístico do roteirista, do arte-finalista, colorista e outros profissionais que realizam uma história em quadrinhos. Além disso, cabe lembrar que o inglês não possui um só termo para o profissional de quadrinhos, como temos em quadrinista (que se aplica a todos envolvidos na produção da HQ, não apenas ao desenhista).

Cabe ressaltar que os termos “ilustração” ou “ilustrador” são impróprios para quadrinhos, dado que o desenhista de HQ também desempenha funções narrativas. Seu desenho não serve de suporte ao texto, como uma ilustração, mas sim é o primeiro elemento que conta a história.

beats ou story beats – unidades dramáticas que compõem a cena no roteiro. O termo popularizou-se sobretudo em roteiro para cinema com o livro Story, de Robert McKee – que, em sua edição brasileira, manteve o termo em inglês beat. Conforme consulta a roteiristas brasileiros, o termo em inglês é comum em livros e discussões sobre roteiro.

book – na maioria das menções neste livro, o autor usa book no sentido de comic book, ou seja, revista em quadrinhos. Utilizei as traduções revista,série ou, caso seja referência a uma graphic novel, álbum.

creator-owned – HQs cujos direitos autorais ficam de propriedade de seu autor. A tradição no mercado norte-americano é que os direitos sobre as HQs sejam das editoras, não dos autores. Optei pela tradução autoral, pois estes projetos partem (ideias, personagens, enredos) dos próprios autores.

plot – linhas gerais de uma história, o plano geral da narrativa. Optei pelas traduções trama ou argumento. Nos quadrinhos, por vezes há uma divisão entre o profissional que faz plot e o que faz script: o plot é um texto que traz as linhas gerais da história, que é entregue para o desenhista decupar e desenhar; o script, neste caso, seria acrescentar diálogos e recordatórios após as páginas serem desenhadas (ver o capítulo sobre o Método Marvel). No Brasil, por muitos anos foi dado o crédito de “argumentista” aos roteiristas de quadrinhos Marvel.

storyline – linha narrativa ou sequência de histórias em torno de um mesmo tema (por exemplo, as publicadas em sequência de números de uma revista em quadrinhos). Optei pela tradução enredo.

work-for-hire – regime de trabalho mais comum no mercado norte-americano de HQ, no qual os profissionais que trabalham em um quadrinho são prestadores de serviço que desempenham sua função conforme contrato para uma editora. Optei pela tradução prestação de serviço. O autor explica isto no capítulo 2.

write/writer – na maior parte das ocorrências neste livro, estes termos referem-se a roteirizar e roteirista. No inglês, é comum utilizar-se os mesmos termos para quem escreve prosa e quem escreve roteiros para outras mídias – o roteirista de cinema, por exemplo, é um screenwriter, que writes screenplays; o dramaturgo ou teatrólogo é um playwright ou playwriter que writes plays. Nos quadrinhos, tende-se a utilizar writer nos créditos de uma revista em quadrinhos para não ser redundante com o termo completo comics writer; mais raramente, utiliza-se o termo scriptwriter. Em todos os casos, como Bendis explica neste livro, está-se falando de roteiros que serão interpretados por um desenhista.

Embora eu considere que um roteirista também seja escritor, no português brasileiro associo “escrever” e “escritor” à prosa. Por isso a opção, neste livro, por reforçar os termos roteiro/roteirista.

O verbo “escrever”, contudo, por vezes é utilizado na minha tradução como sinônimo de roteirizar. Sobretudo quando o autor faz referência ao ato físico de escrever. Por exemplo:

I never start writing until I know for whom I am writing.
Só começo a escrever quando sei para quem vai meu roteiro.

Evidentemente, estou à disposição de editores, revisores e preparadores para discussão desses pontos ou dirimir dúvidas.

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