Entrevista: Arnaud Vin, Editora Nemo
A Editora Nemo anunciou há poucos dias uma lista de lançamentos para 2015. Embora a maioria seja de autores europeus, eles se aproximam mais das graphic novels americanas: álbuns com tamanho de livro, em preto e branco, de 150 a 200 páginas. No anúncio, a própria editora chama os lançamentos de “nova coleção de graphic novels”.
Os lançamentos são:
– O Mundo de Aisha, do italiano Ugo Bertotti (abril)
– O Muro, da belga Céline Fraipont com o franco-argelino Pierre Bailly (abril)
– Uma Metamorfose Iraniana, do iraniano Maya Neyestani (maio)
– Vírus Tropical, da equatoriana-criada-na-Colômbia-radicada-na-Argentina Powerpaola (outubro)
– e, minha melhor surpresa, Pílulas Azuis, do suíço Frederik Peeters, que já comentei aqui, para setembro. (A propósito, confirmei com a editora que Pílulas sai aqui em sua versão revista e atualizada, que inclui 11 páginas extras sobre a vida da família Peeters treze anos depois da publicação original.)
A lista é realmente uma novidade para a Nemo, que se notabilizou pelos álbuns segundo a tradição francesa com alto apuro gráfico – capa dura, papel couchê, tamanho avantajado – e também com autores tradicionais da BD fantástica como Moebius, Bilal, Bourgeon e Loisel.
O diretor executivo da Nemo, Arnaud Vin, gentilmente respondeu algumas perguntas sobre estes novos rumos da Nemo – que não deixará de publicar Moebius e companhia, assim como continuará investindo em autores brasileiros.
A Nemo construiu sua identidade em torno dos álbuns de Moebius e de outros autores da tradição fantástica franco-belga. Me parece que o critério editorial era “Mas COMO essa BD clássica não existe no Brasil?”. Esta identidade continua existindo? Este investimento em uma linha de romances gráficos/graphic novels é uma mudança de rumo ou é apenas mais um prolongamento da Nemo?
“Mas COMO essa BD clássica não existe no Brasil?”… Não foi bem assim. Até porque teria sido muito pretensioso pensar desta forma e ter este critério editorial. O fato de eu ser francês, e mais ainda da geração Métal Hurlant, sem dúvida orientou a construção da Nemo. Junto com o Wellington Srbek, o editor da Nemo na época [Srbek deixou o cargo de editor da Nemo no início de 2015], achamos natural iniciar essa aventura com o Arzach do Moebius. Foi uma evidência. E isso se consolidou com o lançamento de autores como Enki Bilal, mas também com Pratt, Tardi, Loisel, Bourgeon ou mais recentemente Frederik Peeters.
Não sei se essa “identidade” continua ou não existindo, mas uma coisa é certa: vamos continuar nessa linha, publicando outras obras do Moebius e Jodorowsky, por exemplo. Mas sem se “fechar”. É assim que chega essa nova linha de romances gráficos. Um prolongamento da Nemo, um novo horizonte a explorar. E espero poder continuar a experimentar novos caminhos.
Apesar de virem pelo filtro franco-belga (com possível exceção de Bertotti, publicado primeiro na Itália), entre os novos autores anunciados há um iraniano, um italiano e uma equatoriana-colombiana-argentina. O gênero autobiográfico – Neyestani, Peeters, Powerpaola – também fica em destaque. Como se fez a opção por estes trabalhos? A diversidade internacional e o gênero autobiográfico são critérios ou acasos?
Vírus Tropical também foi publicado na Argentina antes de ser lançado na França, se eu não me engano. Sobre a opção para estes trabalhos, o critério principal, essencial, é a emoção pura. Em segundo lugar vem a vontade clara de abordar temas fortes e polêmicos.
Fico muito feliz de ter a possibilidade hoje de publicar O mundo de Aisha, por exemplo; mostrar a realidade do totalitarismo reliogioso [De subtítulo “a revolução silenciosa das mulheres no Iêmen”, o álbum de Ugo Bertotti trata da violência, escravização e assassinato de mulheres no país árabe]. Ou político, como A metamorfosa iraniana [O álbum autobiográfico trata da perseguição do governo iraniano a Mana Neyestani após este publicar uma charge polêmica]. Em O muro ou em Vírus Tropical é absolutamente impossível resistir ao relato da vida de Rosie ou da própria Powerpaola. Por fim, no Pílulas Azuis, o que dizer senão que temos lá uma das mais belas histórias de amor já publicadas.
Por acaso percebi depois que o gênero autobiográfico estava muito presente. Coincidência. Quanto à diversidade internacional, não. Essa busca por autores de horizontes e culturas diferentes é proposital.
A Nemo continuará investindo em obras de autores brasileiros?
Sempre. A Nemo está de portas abertas para os autores brasileiros. E autoras. Esse ano dois nomes vão se juntar a Bianca Pinheiro [Bear] e Fernanda Nia [Como eu Realmente…]. São Fefê Torquato [Gata Garota] e Lu Cafaggi. Sobre esse ponto, acho que fomos muito tímidos nos anos retrasados. Poderíamos ter ido muito mais ao encontro dos autores nacionais. Estamos recuperando o tempo perdido.
Este ano o senhor esteve em debate prévio ao Salão do Livro de Paris com o diretor da Delcourt, Patrice Margotin, sobre o cenário brasileiro de HQ. Pode comentar o que se expôs no debate e qual a percepção que o mercado estrangeiro tem do mercado nacional, tanto em termos de importações quanto das HQs brasileiras?
Patrice Margotin, da Delcourt, fez uma apresentação “técnica”, mais voltada para números e estatísticas sobre o mercado editorial de bandes dessinées na França. Os principais grupos editoriais. O market share de cada um, o volume de lançamentos e de venda. O ranking dos títulos mais vendidos, etc.
Do outro lado, entre outros motivos pela dificuldade de se encontrar números confiáveis no Brasil, preferi fugir de números e apresentar, pelo menos tentar apresentar, o universo do quadrinhos no Brasil de uma forma mais ampla. As principais editoras e o ritmo de lançamento de cada uma, as principais tendências editorias, algumas referências incontornáveis da produção nacional, o fenômeno dos webcomics, onde comprar os quadrinhos no Brasil, o universo digital, a força da cena independente, o crescimento do financiamento participativo, a posição da imprensa em relação aos quadrinhos, a importância das redes sociais, os blogs especializados, os grandes encontros como o FIQ, a premiação dos troféus HQMix, etc. Enfim, um aperçu sobre a nossa realidade…
Sobre a percepção do mercado estrangeiro, no nosso caso, do mercado francês sobre nosso mercado brasileiro, ela é de grande expectativa e interesse. Primeiro porque ninguém fica insensível a um mercado de mais de 200 milhões de habitantes, onde 50% tem menos de 30 anos e 25% menos de 15 anos. Nosso potencial de crescimento em termos de novos leitores é considerável comparado aos mercados europeus, hoje saturados. Do outro lado há um sincero interesse em relação à nossa produção. Uma grande curiosidade e muitas vezes uma grande admiração.
Entretanto, ser publicado na França continua sendo uma façanha ainda reservada para poucos. E podemos entender por quê. Conseguir um espaço num mercado com 6 mil lançamentos ao ano não é para qualquer um. Mas o mais importante é que não é nada impossível para nossos autores.
3 Comentários
Excelente entrevista!
Esse selo é demais, e os quadrinhos em língua francesa também. Quero muito ler esse “Pílulas azuis”
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