A Vertigo da Marvel
Há pouco mais de vinte anos, a DC tinha um número considerável de séries que destoava do veio principal Superman-Batman-Liga da Justiça. Sandman instigava gente que não lia nenhum outro gibi, Patrulha do Destino tinha heróis transsexuais contra vilões dadaístas, Constantine já havia mostrado o dedo médio pro diabo em Hellblazer, Shade The Changing Man… bom, era Shade The Changing Man. Essas e mais umas poucas tinham em comum não levarem selo do Código de Ética e, se tinham super-heróis, eram uns super-heróis bizarrinhos. A DC resolveu traçar a linha divisória e colocou outro selo nas séries. Foi o surgimento da Vertigo.
DC e Vertigo já mudaram de diretrizes, de filosofia e de liderança nesses vinte anos. Lendo os gibis da semana passada (e mais uns atrasados) eu senti que está aparecendo um contexto bastante parecido na Marvel: uma linha de séries que destoa do veio Vingadores-X-Men-Homem-Aranha e que, assim como a Vertigo, funciona como uma espécie de “vanguarda” na editora.
Diferente da Vertigo, não há um Sandman de carro-chefe, nem uma tendência pra fantasia-terror. Tudo é super-herói, e não necessariamente bizarrinhos. A linha se destaca mais pela forma do que pelo conteúdo: desenhistas que destoam do que se costuma ver nos super-heróis, narrativa experimental e, em alguns casos, uma tendência para o cômico.
Hawkeye é a mais óbvia, visto os prêmios e toda fortuna crítica que já gerou. Matt Fraction está realmente brilhante nas estruturas narrativas que fogem do convencional, nos diálogos, na caracterização, e teve uma liga especial com David Aja (mesmo que as edições por outros artistas funcionem muito bem). Ainda está mal explicado por que a série vai acabar – não se tem a impressão que Fraction ou Aja ficaram sem histórias, mas que Fraction cansou da Marvel.
O Gavião Arqueiro também anda por Secret Avengers, série que, sim, faz parte da linha Vingadores, mas não tem pendência alguma com as outras catorze séries dos Vingadores. Secret acompanha uma divisão de super-heróis da S.H.I.E.L.D. comandada (secretamente) por Modok, que enfrenta vilões de nome Artaud Derrida e um narrador que tira sarro de vários clichê do mundo super-heroístico. O roteiro é de Ales Kot, novo piradinho com tendências grantmorrisonianas e que vem passando por várias editoras. Secret Avengers serve de Patrulha do Destino da Marvel.
Mas a série que me motivou para este texto foi Moon Knight. Depois de seis edições de Warren Ellis e Declan Shalvey definindo o tom, já saíram duas de Brian Wood e Greg Smallwood que souberam mantê-lo. E o tom é o seguinte: com um sub-Batman, raso, que raramente deu certo na editora, o negócio é fazer histórias curtinhas (sempre de um capítulo) com experimentos rápidos de forma. Foi muito comentada a sequência da edição 2, de Ellis/Shalvey, na qual as páginas perdem quadros progressivamente conforme morrem os personagens que se vinha acompanhando. Na última edição, de Wood/Smallwood, a narrativa principal se dá exclusivamente em telas de vídeo (acima).
Há outras séries que não fogem tanto do convencional, mas têm seu charme bizarrinho. Superior Foes of Spider-Man não entregava a dose mordaz de ironia com esse título, mas era (vai acabar no número 17) a mais engraçada da editora. Nick Spencer fazia piada com o ridículo inevitável nos inimigos clásse B do Aranha, cheio de sacadas visuais com o desenhista Steve Lieber. A série atual de She-Hulk assumiu o trono da comédia, com Charles Soule nos roteiros e desenhos excepcionais de Javier Pulido. É divertidíssima, assim como o Silver Surfer de Dan Slott e Mike Allred (acima), e a Ms. Marvel “quotas para muçulmanos” de G. Willow Wilson e Adrian Alphona (abaixo).
E apesar de ser um dos personagens em maior destaque na editora, o Thor de Jason Aaron (que também encerrou sua fase recentemente) tinha um tom especial nas tramas e nos desenhos. Esad Ribic dava o toque grandioso de Heavy Metal; Das Pastoras (ele é espanhol e o pseudônimo dele é mesmo “Das Pastoras”) também fez uma edição memorável. Só que a grandiosidade sisuda da Heavy Metal contrastava com a irreverência do Aaron.
Tem até séries ruins, para justificar a amplitude da linha: Elektra, apesar de desbunde na arte de Mike del Mundo, tem roteiros fracos (Haden Blackman) e só posa de vanguarda. Bucky Barnes: Winter Soldier, que acabou de estrear, teve uma primeira edição que me pareceu destrambelhada, apesar de eu estar curtindo a evolução do Marco Rudy e suas composições anti-linha reta (ver acima; Marvel Knights: Spider-Man também podia ter entrado nessa Vertigo-Marvel).
No estado atual do mercado, acho que não há justificativa para a Marvel passar uma régua e dizer “essa linha é a vanguarda”. Melhor dizer que é tudo Marvel e, caso alguém venha generalizar que a Marvel anda fraca, eles podem dizer “mas você leu Moon Knight“? Fica de segredinho entre nós que, mesmo sem identificação, a Marvel tem um linha de vanguarda. Triste é que, no momento, a DC não pode dizer o mesmo – e, há vinte e poucos anos, a Marvel não podia. Quando uma vai bem, parece que a outra necessariamente tem que ir mal.
5 Comentários
E ai Érico beleza?
eu colocaria nessa lista outras séries, como as canceladas Young Avengers e Avengers Arena, e tambem Black Window, Captain Marvel, All New Ghost Rider, Iron Fist: The Leaving Weapon e até atual fase do Demolidor, Justiceiro e Patriota de Ferro.
E vejo essa postura da Marvel como uma tentativa de se aproximar mais com o material publicado atualmente pela Image Comics, tanto que a maioria dessas séries conta com criadores de la.
abs.
João Gilberto: concordo com quase tudo. Young Avengers sem dúvida devia entrar na lista. Mas, apesar de eu ter colocado alguns super-heróis bem “certinhos” na minha lista, acho que Demolidor, Capitã Marvel e Motoqueiro deviam servir mais de exemplo do que a linha padrão da Marvel devia fazer. Todos me parecem bem pés no chão, “straight superheroics”, sem essas piruetas formais que se vê em Cavaleiro da Lua, Hawkeye e cia.
Antes de tudo, maravilha de blog, Érico. Ultimamente, involuntariamente, suas traduções têm andado praticamente onipresentes e oniscientes nas minhas cestas de compras. Haja fôlego, parceiro. Reforçando o comentário do João, venho também percebendo esse punch experimental nas tessituras de Waid em Demolidor, sobretudo quando o autor se debruça nos super-sentidos de Murdock e o bromance com Foggy que, cá entre nós, melhor interação que a desses personagens, impossível. No mais, desejo que a “pilha” nunca enfraqueça/diminua.
Abraço.
Muito obrigado, Luiz! Pois é, mas é que eu acho o Demolidor do Waid (e todo o material do Waid, na verdade) tão certinho, tão “super-herói como devia ser”, que reluto em colocar na lista. Certamente tem uns experimentos formais, mas não consigo ver o Mark Waid “Vertigo”. Mas gosto muito dele, claro.
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