QUADRINISTAS

Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho: Faça o quadrinho que você gostaria de ler

QUADRINISTAS traz textos de, hã, quadrinistas que acabaram de lançar um álbum inédito no Brasil. É um espaço para eles falarem sobre a obra, as influências, o que passava pela cabeça deles enquanto produziam ou para conversar com outros autores. O espaço é deles.

A estreia da seção é com Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, autores de Bidu: Caminhos.

 

“Faça o quadrinho que você gostaria de ler.”

É um bom conselho. Mas nunca nos pareceu suficiente… Acabamos escolhendo fazer quadrinhos que gostaríamos que as pessoas quisessem ler. O que fazemos para nós mesmos é “fazer quadrinhos”. Sim, contamos histórias que queremos contar, histórias que gostaríamos de ler, mas, mais importante, histórias que queremos dividir.

É justamente por causa dessa necessidade de convidar os leitores para a história que nos preocupamos tanto com a forma que nossas narrativas tomam. Timing, viradas de página, tamanho dos quadros, o grid da página, respiros. Ocupamos o tempo que for necessário pensando em cada uma dessas etapas. Muito do que fazemos nesse sentido testamos no Quadrinhos Rasos, pensando quadrinhos como música. O menor quadro é o menor tempo; a história segue movimentos, estrofes e refrões. Trabalhamos um ritmo contido em um espaço. Este espaço é o universo que é criado para cada livro. Toda a trama de Bidu – Caminhos acontece em poucos quarteirões, mas é o universo que Bidu conhece até aquele momento. É importante que isso seja transmitido através da leitura.

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A narrativa básica contida nesse universo, ao redor da qual as outras narrativas se formariam, foi estabelecida nas primeiras conversas com Sidney Gusman – o editor do projeto Graphic MSP. Contaríamos como Bidu e Franjinha se encontraram pela primeira vez e isso deveria ser feito sem que os cachorros falassem. Não com palavras, pelo menos. A partir daí era pensar a melhor forma de contar a história.

Nunca havíamos trabalhado com um editor dessa forma. Estávamos acostumados a um editar o outro. Dessa vez tínhamos o Sidney participando do processo, o que, principalmente no início, provou-se (sem eufemismos) desafiador. A diferença no produto final, contudo, foi enorme. Sentíamos que estávamos produzindo algo novo e diferente do que estávamos acostumados, e foi o que nos deixou mais seguros quanto ao nosso trabalho. Como não estávamos lidando com um personagem nosso, era como fazer uma página de quadrinhos a partir de uma letra de música de outra pessoa. Foi quando percebemos isso que o trabalho ficou bem natural, já que era o que vínhamos fazendo ao longo dos últimos anos. O que o Sidney fazia era manter fresca na nossa memória a noção de que aqueles personagens já existem e que as pessoas têm expectativas em relação a eles. Quebrando ou não essas expectativas, o importante era saber que elas existem. As opiniões dele incrementavam nosso repertório de soluções, viravam mais uma peça do jogo.

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Essa dinâmica de produção nos deu liberdade para trabalhar os aspectos formais da narrativa. Cores, formas, requadros, calhas e tudo mais foi pensado para esse contexto, para a história em questão. Em Bidu, queríamos que o som fosse tão impactante quanto é na vida de um cachorro. O mundo tinha que fazer barulho. Para funcionar com um cachorro azul, era imprescindível ter um mundo feito de cores mais ousadas mas que ao mesmo tempo não fossem saturadas a ponto de competir com os personagens. Trovões que acertam fisicamente os cachorros e carros freando que exigem uma fuga no espaço de um “C” são coisas que a linguagem dos quadrinhos permite e com as quais queríamos trabalhar.

O livro foi produzido em dez meses. Os cinco primeiros foram de fechamento do roteiro, a discussão desses aspectos formais e, em boa parte, desenvolvimento dos personagens. Cada um deles é uma figura com um passado, uma história e uma jornada particular. Nosso objetivo não era modificar as personalidades originais, mas reverenciá-las. Dessa forma, buscamos explorar e destrinchar essas características de cada um através de motivações, experiências e principalmente, das relações que um tem com o outro. Os personagens se definem tanto pelas suas atitudes no mundo quanto pela forma como reagem às atitudes de outros, incluindo nisso erros e acertos. Essas personalidades diversas, assim como o tipo de humor de cada um deles foi bastante explorado na forma como se fez a representação visual da fala.

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Importante dizer que boa parte da ideia de como os cachorros falariam veio das próprias histórias do Bidu, principalmente das tiras antigas feitas pelo Mauricio. A forma final das falas, com os desenhos simplificados, surgiu da necessidade de solucionarmos uma questão que nos incomodava. Queríamos conciliar os “dois Bidus”: o Bidu que é cachorro do Franjinha e o Bidu que é astro de suas HQs. Nesse sentido era necessário algum indicativo visual que demonstrasse essa diferença de universos. As falas serviram a esse propósito. Dentro do seu discurso com outros animais, temos o Bidu das histórias onde é protagonista, que fica de pé, traz características de fora do reino animal e tudo mais. Fora delas, é o Bidu que está prestes a se tornar o cachorro do Franjinha.

A verdade é que nos preocupamos muito com “como” a história vai ser contada justamente para que esse “como” desapareça durante a leitura. Adoramos quando alguém percebe e chama a atenção para algum desses aspectos, mas o objetivo é que isso tudo sirva de convite para que o leitor se sinta à vontade para compartilhar dessa história conosco. Nos esforçamos para produzir entretenimento, para criar esses espaços onde as pessoas podem se sentir mais à vontade com o mundo.

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Nos divertimos fazendo quadrinhos e torcemos que nosso trabalho seja divertido para os outros. É uma forma de comunicação que encontra seu lugar no caminho constante que faz entre o tanto da nossa subjetividade que conseguimos colocar no papel, e o tanto que isso conversa com o mundo subjetivo de quem lê. Um quadrinho não fica pronto: vai acontecendo enquanto houver quem leia. Tentamos fazer algo para ser lido.

Eduardo Damasceno & Luís Felipe Garrocho

 

Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho – Quadrinhos Rasos

Bidu: Caminhos tem preço sugerido de R$ 29,90 (capa dura): Livraria Cultura

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