André Valente: C.S.I. Killoffer
No dia 27 de agosto de 2015, a internet testemunhou um dos grandes acontecimentos dos quadrinhos mundiais. A partir de um tuíte de André Valente, artistas da estatura de Marco Oliveira (Aos Cuidados de Rafaela), Ryot (Ryotiras) e Cynthia B. (Golden Shower), assim como da pesquisadora/tradutora/nexo de realidades Maria Clara Carneiro, entre outros, desvendaram um mistério que, mal se sabia, assolava muitas pranchetas.
Sem mais delongas, o próprio André Valente explica o caso abaixo:
C.S.I. Killoffer
O dia em que o tuíter foi útilAlgumas questões nunca terão solução. Questões como “de onde viemos?” ou “o que acontece depois que morremos?”. Ou então: “ímãs, como eles funcionam?”. Ou até mesmo: “por que meu carro cheira a peixe?”.
Talvez eu devesse reformular e dizer que essas questões ainda nunca tiveram solução. (Não, pera. Ah, vai assim mesmo.) Agora toda e qualquer questão terá solução. Pois saibam que hoje existe uma nova forma de unir as mentes mais brilhantes e garbosas do planeta, trabalhando em sincronia para a resolução de teoremas complexos, mistérios absurdos, embates políticos e a listagem de diversos itens por ordem de grandeza. Essa forma se chama A INTERNETS, a grande infovia da informação digital mundial, e ela chegou para conectar você com o mundo.
Testemunhe, caro leitor, um exemplo extremo do que A INTERNETS pode fazer:
Les traits blancs de Killoffer
Pois eis que um belo dia, um quadrinista em Brasília acordou com uma dúvida cruel:
O Que Sabemos
Killoffer, genial e famoso quadrinista francês da França que faz quadrinhos, utiliza em seus desenhos:
1) Nanquim – às vezes grosso, às vezes meio ralinho (lembre-se dessa informação);
2) Pena;
3) Pincel;
4) Talvez uma canetinha preta marota.Do outro lado do mundo, em São Carlos, um outro quadrinista oferece uma possível resposta:
A Teoria do Desenho em Negativo
Porque pode ser:1) o traço preto e o traço branco têm o mesmo peso;
2) o uso de computador permite o preenchimento de grandes áreas com facilidade.Porque não deve ser:
1) nenhum dos originais disponíveis nA INTERNETS possuía essas características.
A Teoria da Caneta Mágica
Porque pode ser:1) os traços brancos nos originais possuem relevo, como tinta de caneta;
2) isso explicaria as linhas brancas nos originais.Porque não deve ser:
1) a maioria das canetas brancas no mercado é uma porcaria. No caso seria um tipo de caneta rara, que pouca gente conhece.
2) o traço das canetas não varia com facilidade, e as linhas brancas nos desenhos de Killoffer variam.Novas teorias surgem:
O mistério atinge até cariocas francesas que estão na França e não no Rio:
A Teoria da Colinha Mágica de Aquarela
Porque pode ser:
1) Preservaria as manchas de pretos, e permitiria que os brancos fossem da cor do papel.Porque não deve ser:
1) essas máscaras são difíceis de manejar. Secam rápido e endurecem o pincel. É difícil fazê-las funcionar em linhas finas, presentes no trabalho todo de Killoffer;
2) essa parada fede.Atravessando o oceano, de Belo Horizonte, vem outra teoria:
Fontes internacionais de outros lugares do mundo dão sua opinião:
(Sua dúvida tem a ver com as linhas brancas sobre papel preto? Me parece que ele faz negativo, tipo fotografia.
Quem me contou foi o Grampá…)
A Teoria do Espacinho do Grampá
Porque pode ser:
1) essa técnica pode ser o motivo dos originais serem tão limpos;
2) é uma forma de fazer o Desenho em Negativo de forma analógica;
3) segundo fontes, é assim que o Grampá – outro fanático por linhas brancas sobre áreas pretas – acredita serem feitas as linhas brancas de Killoffer.Porque não deve ser:
1) porque são linhas demais que requereriam planejamento demais e um cuidado sobre-humano para que elas parecessem ter a mesma grossura das linhas pretas. Que eu saiba, só o Grampá consegue;
2) não explica o relevo de tinta branca visível nos originais.Novas Pistas
Em algum lugar dA INTERNETS, alguém encontra um original SEM as linhas brancas. O que parece ser mais um beco sem saída pode ser a chave da solução do mistério.
O Relevo em PretoO que esses originais revelam é que, qualquer que seja a forma em que Killoffer desenha suas linhas brancas, existe uma preparação prévia para informar a próxima etapa. Ao que parece, o artista utiliza uma camada de tinta grossa sob uma camada de tinta rala (lembra?) pra saber depois em que partes do desenho aparecerão as linhas brancas.
A Teoria da Pena da Tinta Mágica
Porque pode ser:
1) preservaria a grossura e variação das linhas pretas;
2) explicaria o relevo de tinta em alguns originais.Porque não deve ser:
1) aqui, por essas paragens, ninguém consegue botar tinta branca em pena direito. (Talvez as tintas boas não sejam importadas pra cá, ou talvez a culpada seja a seca de Brasília, que estraga tudo, coisa feia.)
A Teoria da Linha Digital
Porque pode ser:1) pode reproduzir a linha da pena com facilidade;
2) evita a utilização de tinta branca.Porque não deve ser:
1) existem originais com linha branca.
Os investigadores ficam exaltados.
Parece que a única forma de ter certeza é entrar em contato com o artista. Ou com franceses em geral.
O Artista se Pronuncia
Um dos investigadores possui fontes anônimas que lhe forneceram o e-mail pessoal do artista, assim como seu telefone.
(O investigador em posse do número sente muita vergonha do estado do seu francês, ora poxa, faz pouco tempo que ele estuda, ainda tem como melhorar, quem sabe um dia, né, conversation rola um pouco, mas ligação por telefone ainda não apareceu no seu Duolingo, ai que vergonha, deixa a ligação pra outro dia.)
Uma investigadora em Salvador consegue entrar em contato com o artista pelo facebook:
Ao mesmo tempo que, em Belo Horizonte, outro investigador faz o mesmo contato:
A mesma resposta. Palavra por palavra.
(Começo pela arte-final “normal”: com pena, nanquim preto sobre papel branco.
Depois tem duas possibilidades: escaneio o desenho e finalizo no computador, na mesa digitalizadora, usando camadas etc.
OU:
Finalizo no papel: preencho os pretos no pincel, sem depositar muita tinta.
Quando os pretos estão secos, os traços de preto que eu fiz com pena (que solta mais tinta que o pincel) ainda ficam à vista sobre os pretos feitos com o pincel.
Depois, com pena e tinta branca (Magicolor, que não existe mais, ou Pélican, Talens, Pébéo), eu refaço as linhas em branco por cima das linhas em preto.
Quando tem traços brancos nas minhas páginas, é porque eu fiz mais de uma vez: uma em preto sobre o papel e uma segunda em branco, no computador ou na pena.
E é isso!)CTRL+C CTRL+V
Killoffer provavelmente responde à essa pergunta quinze vezes por dia, e já tem uma respostinha pronta para ficar copiando-colando.
E voilà, mistério solucionado. Killoffer usa Pena com Tinta Mágica ou Linha Digital, dependendo do que ele quer. O interessante é como ele preserva as linhas para futura consulta, numa engenhosa utilização de nanquim grosso e ralinho.
Caso Encerrado
Vitória. Todos comemoram um dia produtivo longe do trabalho que trouxe a solução de um dos maiores mistérios que a humanidade já testemunhou.
O ser-humano pode ainda não saber por que meu carro tem cheiro de peixe, mas graças à INTERNETS, podemos dizer aos nossos netos, enquanto eles balbuciam à frente de um original de Killoffer: “Sabe essas linhas brancas? São feitas com pena e guache, mas às vezes… ele faz no computador… BITCH!”
Obrigado a todos os envolvidos, e acima de tudo, obrigado a você, Killoffer.
RetardatáriosClaro, tem sempre alguém atrasado mais de dez horas pra brincadeira.
3 Comentários
Muito bom hahahaha Pra isso que serve a internet não é? Adorei o site novo, abraços!
Emocionante. Talvez eu também esteja atrasado, mas há um problema na tradução: “ainda ficam à vista sobre os pretos feitos COM O PINCEL”.
Opa, é mesmo. Passou na revisão. Obrigado, Paulo!
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